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O descompasso entre o crescimento da avicultura e os rendimentos do médico veterinário: uma reflexão sobre o tema.

17/01/2022

 

                                     Prof. Dr. Carlos Tadeu Pippi Salle*

           
       No início da década de 70 fiz um teste no Instituto de Pesquisas Veterinárias Desiderio Finamor (IPVDF) para ingressar na Instituição. Aos três primeiros colocados era facultada a escolha da área de trabalho preferida. O teste durou três meses e nas folgas íamos para a Biblioteca para ler, conversar, etc. Ali, percebi que as revistas sobre a avicultura eram feitas com papel de qualidade e as propagandas elaboradas por profissionais, contrastando com as demais áreas da pecuária. Este fato chamou minha atenção, pois havia trabalhado em uma companhia de crédito, financiamento e investimento e conhecia o valor do dinheiro. Se estavam investindo em um setor que eu desconhecia era porque havia o devido retorno. Embora soubesse quase nada sobre avicultura e doenças das aves, resolvi que era esta a área a ser explorada por mim em detrimento dos estudos com febre aftosa, cuja campanha milionária, duradoura e vitoriosa recém iniciava. Assim começou minha vida na avicultura.

 

       A avicultura industrial estava dando seus passos iniciais e os médicos veterinários tinham grande importância no setor. Seus contatos eram diretamente com os donos das empresas avícolas familiares. Os profissionais tinham grande importância na tomada de decisão e seus rendimentos eram proporcionais, pois atuavam no topo da pirâmide hierárquica. Os conhecimentos nas áreas de manejo, nutrição e sanidade fizeram com que a tarefa de transformar proteína vegetal em animal fosse muito bem-sucedida. As companhias cresceram e saíram dos pátios para alcançar as bolsas de valores. O crescimento foi vertiginoso e, hoje, as companhias brasileiras de alimentos estão entre as maiores do mundo. A habilidade e a competência na transformação proteica vegetal para animal tinham nesta evolução seu melhor atestado. O céu era o limite e o futuro que nos esperava era radiante.

 

      Se for feito um gráfico projetando o crescimento da avicultura e dos rendimentos dos médicos veterinários neste período de 50 anos veremos um X, no qual a reta ascendente representa a avicultura e a descendente, os rendimentos. Boa parte deste fato é explicado pelo grande número de faculdades disponíveis. O Brasil, segundo o Conselho Federal de Medicina Veterinária, tem um terço dos cursos de veterinária do mundo. Esta situação explica muito, mas não tudo.

 

      A modernização da avicultura não foi acompanhada por nós com o devido cuidado. Esquecemos que sociedades anônimas têm legislação específica para a proteção do acionista anônimo. Esta tarefa é confiada a uma diretoria que deve decidir o que é melhor para a companhia e seus sócios. Para tanto, foi criada uma pirâmide hierárquica para administrar os fenômenos envolvidos na produção. Toda a atividade médico veterinária, hoje em dia, obedece às orientações emanadas de um pequeno grupo decisório da área corporativa. As decisões são tomadas no topo e são difundidas até a base da pirâmide, onde já não encontramos mais médicos veterinários e sim duas novas categorias: sanitaristas e extensionistas. As remunerações, agora, são muito menores que o salário-mínimo profissional do médico veterinário.

 

      Em sala de aula tenho dito, inúmeras vezes, que somos pagos para tomar decisões e que estas baseiam-se em critérios. Este últimos, por sua vez, são criados ao observarmos a presença de padrões. Os mesmos padrões que geramos todos os dias em nossa atividade cotidiana de transformar proteína vegetal em animal. Fazemos esta análise, empiricamente, através do que chamamos “experiência profissional”. Por outro lado, ficamos impossibilitados de fazer predições e simulações com probabilidade conhecida e oferecer aos responsáveis pela empresa dados confiáveis, analisáveis e documentados. Assim sendo, abrimos espaço para outros profissionais que tomam os dados gerados por nós, os analisam corretamente e apontam a decisão a ser tomada. Ou seja, transformamos soja e milho em carne e, quando esta carne vira dinheiro, entregamos para outros ganharem muito mais do que nós. Nosso trabalho na base da pirâmide se aproxima muito de profissionais com o segundo grau e, como estamos vendo, a remuneração também.

 

      Há mais de vinte anos que nosso grupo tem demonstrado, através de dissertações, teses, artigos em revistas nacionais e estrangeiras que podemos sair deste estado de amnésia e analisar os dados da produção avícola usando modelos matemáticos e inteligência artificial. Com estes instrumentos podemos criar critérios para decisões fundamentadas e com probabilidade conhecida. Estaríamos completando um trabalho que é excelente indo do grão até a repercussão financeira do produto que produzimos. Agindo assim, certamente teríamos mais espaço no núcleo decisório das empresas, com a consequente valorização do que fazemos.

 

Se quiserem aprofundar um pouco mais este assunto, leiam:

 

Profissões no passado Profissões no Futuro

(personagens sociais em tempos de transição)

Bernardete Wrublevski Auedi

periodicos.ufsc.br...

 

A esperança em gerações de futuro sombrio

José Machado Pais

scielo.br/j/ea/a/LrCw7...

 

Profissões de Futuro: Como se preparar para o novo mercado de trabalho.

scielo.br/j/ea/a/LrCw...

Administradores de sociedades anônimas

enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete...

 

* Membro Titular da Academia Riograndense de Medicina Veterinária (ARIMEVE)