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Febre aftosa: status do rio grande do sul como área livre da doença sem vacinação e a importância da vacina com adjuvante oleoso nessa conquista

26/11/2021

FEBRE AFTOSA: STATUS DO RIO GRANDE DO SUL COMO ÁREA LIVRE DA DOENÇA SEM VACINAÇÃO E A IMPORTÂNCIA DA VACINA COM ADJUVANTE OLEOSO NESSA CONQUISTA
 

Elbio Nallen Jorgens*                                                                                                                                               Médico Veterinário

A Organização Mundial para a Saúde Animal (OIE), no último dia 27 de maio  concedeu ao Estado do Rio Grande do Sul o título de Zona livre de Febre Aftosa, sem vacinação, que vem coroar o esforço de todos que se dedicaram no combate a essa doença que trouxe e traz enormes prejuízos a saúde animal, pecuária gaúcha e brasileira, com reflexos na economia, em especial o agronegócio.

Segundo dados históricos da doença, através dos tempos, o vírus da Febre Aftosa chegou à América do Sul em 1850 e em 1870 no Brasil, com bovinos importados da Europa. A partir de 1919 começa no Brasil o combate à enfermidade, mas que por falta de vacinas e recursos não evoluiu. Apenas em 1963 o governo brasileiro oficializou o Plano Nacional de Combate, que veio a se iniciar em 1965, pelo Estado do Rio Grande do Sul, nos municípios da fronteira oeste, logo se estendendo por mais quatro anos (1969) onde todo o Estado do Rio Grande do Sul foi estruturado para o combate à doença através da vacinação, atuação em focos, vigilância sanitária e controle do trânsito de animais. Porém na década de 70, foi assolado por uma epidemia de Febre Aftosa com a identificação dos tipos de vírus O, A e C, que desenvolveram outras variantes trazendo enorme prejuízos ao combate à enfermidade e a produção animal. A vacina utilizada era a de hidróxido de alumínio, inativada em veículo aquoso, e aplicada de forma sistemática a cada quatro meses na população bovina com idade acima de 4 meses.

Em 1972 o Centro Pan-americano de Febre Aftosa, que já pesquisava, produzia e testava uma vacina com adjuvante oleoso, em seus laboratórios (Rio de Janeiro, BR), e com o apoio do Ministério da Agricultura e da Secretaria da Agricultura do Estado Rio Grande do Sul, iniciou o experimento a campo, em um grupo de bovinos na Estação Experimental Cinco Cruzes do Ministério da Agricultura em Bagé/RS, mais tarde ampliada para toda a população da Estação Experimental. Posteriormente, mediante um convênio entre o CPFA e a SARS foi decidido e acordado a extensão gradativa da aplicação oficial da vacina com adjuvante oleoso a todo o município de Bagé. Assim, em março e abril de 1979 essa vacina se aplicou em 152.785 bovinos de 304 propriedades, sobre um total de 450.000 bovinos m 2433 rebanhos do município.

Em março de 1980 o programa foi ampliado para 620 rebanhos e a uma população de 240.166 bovinos, distribuídas em todo o município. O restante da população bovina de Bagé seguiu submetida, à vacinação com vacina de hidróxido de aluminio-saponinada. Neste mesmo ano a população bovina de Bagé foi afetada por uma epidemia de febre aftosa, produzida pelo vírus O¹, que também atingia grande parte do Estado.

Diante disso, durante o ano de 1980, realizaram-se procedimentos investigatórios visando a análise das consequências mórbidas da enfermidade nos rebanhos submetidos a esses programas de vacinação, com ambas as vacinas. Até outubro de 1980 a enfermidade se registrou em 93 rebanhos, sendo 73 rebanhos dos 1813 submetidos a vacina aquosa e em 20 rebanhos dos 620 submetidos à vacina oleosa.

Nos resultados da investigação, observou-se uma diferença entre ambos tipos de rebanhos e vacinas, destacando-se que os submetidos a duas vacinações com adjuvante oleoso tiveram taxas quase oito (08) vezes menores que os submetidos a uma só vacinação oleosa e onze (11) vezes menores que os de vacina aquosa. A diferença mais significativa ocorreu na mortalidade, onde morreu um (01) bovino, de 308 enfermos, numa população de 11.577 bovinos expostos e vacinados com oleosa. Nos da vacina aquosa registraram-se 304 mortos, de 9.958 enfermos de uma população de 30.700 bovinos expostos, quase mais de cem (100) vezes maior.

Não há dúvida que os excelentes resultados comparativos obtidos não podem ser atribuídos exclusivamente ao tipo de vacina utilizada, já que a isto se agrega a aplicação da vacina oleosa pelo serviço oficial. No entanto, considerou a investigação que o sistema de aplicação de vacina “oleosa”, particularmente, depois de pelo menos duas vacinações, deu resultados satisfatórios, principalmente tendo-se em conta a alta carga viral existente no ambiente do município de Bagé, entre janeiro e outubro de 1980 e que se todo o município de Bagé estivesse submetido a esse sistema de vacinação, a ocorrência da febre aftosa no mesmo, teria sido insignificante.

Esses dados e resultados aqui citados, estão retratados, inclusive com informações mais completas, em artigo publicado no “BOLETIN DEL CPFA 49-50: 3-9, 1984, com o título: EPIDEMIA DE FIEBRE AFTOSA EN BAGÉ, RS, BRASIL, 1980. EVALUACION DE DOS SISTEMAS DE VACUNACION. De José Fernando P. Dora, José Carlos Coelho Nunes, Julio César Goulart da Silveira, Elbio Nallen Jorgens, Félix J. Rosenberg, Vicente M. Astudillo”. Os quatro primeiros nomes, técnicos da Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul e os últimos dois, do Centro Panamericano de Febre Aftosa, OPS/OMS.

Nos anos sequentes a vacinação com vacina de adjuvante oleoso foi se expandindo por todo o Estado do Rio Grande do Sul, incluindo logicamente a importante participação da indústria de laboratórios privados na produção da vacina. Os resultados são altamente satisfatórios, último foco em 1993 e em 1998, obtivemos da OIE, junto com Santa Catarina, o certificado de zona livre com vacinação, começando a nos preparar para a dispensa da mesma, interrompida nos anos de 2000 e 2001, por surto no município de Joia e na fronteira oeste, respectivamente, obrigando a retomada da vacinação até 2020 quando o rebanho gaúcho realiza a última etapa de vacinação.

Agora, nesse 27 de maio de 2021, o grande momento, a concessão por parte da Organização Mundial da Saúde Animal – OIE, o “Reconhecimento de Zona Livre de Febre aftosa Sem Vacinação”. Este é um marco histórico e que muda o status do Rio Grande do Sul como produtor de proteína animal, com reflexo em toda a cadeia do agronegócio.

Finalmente, deve-se destacar que em uma campanha sanitária para o porte da produção animal no Brasil, a importância de se ter um imunizante eficaz, de fácil manejo e prolongado espaço entre aplicações é fundamental para se chegar ao objetivo de erradicação de uma doença e a vacina da febre aftosa com adjuvante oleoso, criada e produzida inicialmente pelo Centro Panamericano de Febre Aftosa – OPAS/OMS, foi a grande revolução do século passado no combate a essa enfermidade, permitindo que, também com a aplicação de outras medidas sanitárias e que devem continuar, sejamos, hoje, reconhecidos internacionalmente.

*Membro da Academia Rio-Grandense de Medicina Veterinária

 Titular da Cadeira nº 27