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A IMPORTÂNCIA DA SAÚDE ÚNICA (One Health) PARA A MEDICINA VETERINÁRIA

07/11/2021

A IMPORTÂNCIA DA SAÚDE ÚNICA (One Health) PARA A MEDICINA VETERINÁRIA

 

Elbio Nallen Jorgens*

 

     No último dia 03 de novembro comemorou-se o dia mundial da Saúde Única. Embora este conceito não seja novo, Saúde Única (One Health), só começou a ganhar força nos últimos anos e tem se mostrado fundamental diante da atual situação de caos e incerteza causada pela COVID-19, com mais de 5 milhões de vidas perdidas até o momento e custos estimados entre $8 a $16 trilhões de dólares apenas em 2020.

     A Saúde Única representa uma visão integrada, que considera a indissociabilidade entre saúde humana, saúde animal e saúde ambiental. O conceito foi proposto por organizações internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), reconhecendo que existe um vínculo muito estreito entre o ambiente, as doenças em animais e a saúde humana. As interações entre humanos e animais ocorrem em diversos ambientes e de diferentes maneiras. Essas interações podem ser responsáveis pela transmissão de agentes infecciosos entre animais e seres humanos, levando à ocorrência de zoonoses.

     Segundo a OIE, cerca de 60% das doenças humanas têm em seu ciclo a participação de animais, portanto, são zoonóticas, assim como 70% das doenças emergentes e reemergentes.

     No mundo estima-se que as Zoonoses causem 2,5 bilhões de casos de doenças e 2,7 milhões de mortes, anualmente. E que cinco doenças novas humanas surgem a cada ano. Três delas são de origem animal.

     O conceito Saúde Única define políticas, legislação, pesquisa e implementação de programas, em que múltiplos setores se comunicam e trabalham em conjunto nas ações para a diminuição de riscos e manutenção da Saúde. Essa integração pode contribuir para a eficácia das ações em Saúde Pública, com redução dos riscos para a saúde global.

     Ainda, segundo descrição usada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos: “Saúde Única é uma abordagem colaborativa, multisetorial e transdisciplinar, atuando nos níveis local, regional, nacional e global, com o objetivo de atingir os melhores resultados na área da saúde reconhecendo a interconexão existente entre pessoas, animais, plantas e o meio ambiente que eles compartilham“.

     Em essência, Saúde Única reconhece que a chave para a saúde humana está no equilíbrio dos ecossistemas e na conservação da biodiversidade, e entende que prevenir o surgimento de zoonoses passa necessariamente por propor soluções que tenham em vista o bem-estar humano, animal e do planeta. 

     Uma vez que doenças zoonóticas são causadas por fatores complexos e de naturezas distintas, epidemiológicos, ambientais, sociais, econômicos e culturais, a abordagem Saúde Única propõe que medidas de prevenção e mitigação sejam desenhadas por meio da colaboração entre especialistas de diversas áreas, que inclui não apenas membros da comunidade médica, infectologistas e virologistas, mas também ecólogos, especialistas em conservação da biodiversidade e veterinários, além de profissionais da área de ciências sociais e políticas públicas. 

     Em 2007, durante a Conferência Ministerial Internacional sobre Influenza Aviária e Pandêmica, realizada em Nova Deli, na Índia, que contou com a presença de representantes de 111 países e de 29 organizações internacionais, os governos e governantes foram encorajados a aplicar o conceito One Health, construindo pontes de ligação entre os sistemas de saúde humana e animal.

     No ano seguinte, a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), a Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organizações das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) passam a desenvolver estratégias conjuntas dentro do conceito One Health, com o objetivo de reduzir os riscos emergenciais e a disseminação de doenças infecciosas resultantes da interface entre animais, humanos e ecossistemas.

     Em janeiro deste ano, o Fórum Econômico Mundial, encontro que reúne anualmente em Davos, na Suíça, líderes políticos, empresários e acadêmicos, publicou a 16ª edição de seu relatório sobre riscos globais (The Global Risks Report 2021)). Na lista dos dez maiores riscos a serem enfrentados na próxima década, doenças infecciosas, fracasso na ação climática, clima extremo, perda da biodiversidade e danos ambientais causados pela humanidade lideram por impacto e probabilidade.

     A Medicina Veterinária é uma das profissões com maior campo de atuação no Brasil e no mundo, daí sua importância. As atividades do médico veterinário vão muito além da clínica de pequenos e grandes animais. Envolvem também a defesa sanitária animal, a Saúde Pública, a pesquisa uni e multidisciplinar. Na Saúde Pública, o médico veterinário atua na inspeção e fiscalização de produtos de origem animal; na pesquisa de tecnologias de produção, além de ser responsável pelo estudo de medidas de saúde pública relativas às zoonoses e ao manejo ambiental.

     No Brasil, o Conselho Nacional de Saúde incluiu a Medicina Veterinária no rol das profissões de saúde, pela Resolução CNS nº 287/1998. O médico-veterinário também está inserido na Atenção Básica, através da portaria nº 2488 de 21 de outubro de 2011, por ser uma das profissões que podem compor os Núcleos de Apoio à da Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB), nas Vigilâncias Sanitária, Epidemiológica, Zoonoses e Doenças Transmitidas por Vetores e Saúde do Trabalhador. Sendo uma origem para a evolução da Saúde Única através das Equipes formadas por profissionais de diferentes áreas de conhecimento, atuando de maneira integrada, com maior capacidade de intervir em problemas e atender às necessidades dos municípios em termos sanitários e ambientais. Importante ressaltar que a portaria por si só não garante a participação dos profissionais elencados, uma vez que a composição dos NASF-AB será feita a partir das necessidades locais, dos dados epidemiológicos e das equipes de saúde que serão apoiadas nos territórios, dependendo basicamente das políticas e dos executivos municipais, resultado este ainda não esperado pela realidade atual, em especial no Estado do Rio Grande do Sul.

     Para o alimento chegar à mesa, ele passa por diversas etapas em que o médico-veterinário atua, como zoonoses (influenza, raiva, leishmaniose, toxoplasmose, leptospirose e arboviroses, entre muitas outras) podem ser transmitidas diretamente pelo contato entre pessoas e animais ou, indiretamente, por vetores, pelo consumo de produtos de origem animal contaminados ou por meio de resíduos da produção que podem contaminar a água e todo o ambiente.

     Situações de transformações ou desastres ambientais, grande migração de pessoas e urbanização aumentam o risco de transmissão de doenças e até mesmo a configuração de epidemias. Mudanças climáticas podem modificar a bioecologia de transmissores e, consequentemente, favorecer o risco de transmissão de agentes infecciosos, levando ao aparecimento de novas doenças.

     O Conselho Federal de Medicina Veterinária defende uma saúde preventiva, eficaz e integrada, que leve conhecimento à população em prol de uma Saúde Única. Pela importância do tema o próprio CFMV disponibiliza em seu portal uma página especial sobre Saúde Única, com textos, notícias e materiais inéditos. A prevenção de doenças transmissíveis ao ser humano. O cuidado com o ambiente em que os animais vivem, sua alimentação, manejo e sanidade. O controle da higiene e da qualidade do produto final.

Para concluir podemos dizer que o termo Saúde Única é recente, mas o conceito remonta à antiguidade grega, quando Hipócrates, considerado o pai da Medicina, defendeu a ideia de que a Saúde Pública estava ligada a um ambiente saudável. Para o estudioso grego, muitas epidemias relacionavam-se com fatores climáticos, raciais, dietéticos e do meio onde as pessoas viviam. A evolução do termo para Saúde Única ocorreu no século XXI. A Saúde Única passou a reconhecer que o ser humano não existe isolado e faz parte de um ecossistema vivo. Já no Séc. XIX, diversos cientistas identificaram semelhanças entre os processos humanos e animais. Foi o caso do médico alemão Rudolf Virchow (1821- 1902), que afirmou: “Entre a medicina animal e a medicina humana não existem linhas divisórias e nem devem existir”.

Enquanto as pessoas viverem próximas ou junto com animais – sejam eles de estimação, na pecuária ou selvagens, a realidade desse cenário é a iminência para doenças.  À medida que o mundo de hoje se torna cada vez mais conectado, a necessidade de aplicar efetivamente o conceito One Health só aumenta. Não só para proteger pessoas e animais de doenças, mas também para impedir rupturas econômicas que podem acompanhar esses surtos de doenças.

O esforço ambicioso que o conceito One Health objetiva é reconhecido como um elemento-chave para manter as pessoas e os animais protegidos contra doenças para melhorar a qualidade de vida em todo o mundo. Porém, essa conectividade acaba afetando diretamente a maneira de como pessoas, animais e o meio ambiente interagem.

A Medicina Veterinária, ao abraçar e ligar os três aspectos dessa cadeia, revela-se uma das profissões mais completas do mundo. Foi criada com o dever de prevenir e curar doenças dos animais, mas sempre tendo como objetivo o homem e o serviço maior à humanidade.

 

 Este texto foi produzido utilizando-se as seguintes referências, pesquisadas em:

www.bioemfoco.com.br/one-health-conceito-saude-unica;

www.cfmv.gov.br/wp-content/uploads/2020/01/folder-saude-unica.pdf;

www.oie.int/enfor-the-edia/onehealth;

World Forum Economic Mundial. The Global Risks Report 2021, 16th Edition.

*Médico Veterinário, Titular da Cadeira nº 27, Academia Rio-Grandense de Medicina Veterinária – ARIMEVE.